O projeto que chegou ao continente gelado

07/08/2020 | Local

Geleiras que ultrapassam 600 metros de altura, temperaturas que no verão chegam a 0ºC e rajadas de vento com mais de 160km/h. Se visitar a Antártica para conhecer esse universo gelado já é um desafio, imagine projetar nessas condições. A complexidade de pensar a Estação Antártica Comandante Ferraz, na Ilha do Rei George, foi assumida por um time de jovens arquitetos brasileiros residentes em Curitiba (PR). Munidos de ideias inovadoras, os arquitetos e urbanistas do Estúdio 41 venceram o concurso arquitetônico que deu origem a obra e contou com participação de 74 trabalhos do Brasil e exterior. Desenvolvido em apenas cinco meses, o projeto de Fabio Henrique Faria, Emerson Vidigal, Eron Costin, João Gabriel Rosa, Dario Corrêa Durce e Martin Kaufer Goic transformou-se em um espaço dedicado à pesquisa, que reúne cientistas e militares no continente mais gelado do mundo.

Orgulhoso do resultado dessa que foi uma das missões mais complexas em seus 10 anos de carreira, Faria recorda que o edital para reconstruir a estação foi lançado no início de 2013, cerca de um ano após um trágico incêndio que destruiu 70% das instalações e matou dois militares. “Nossa dificuldade inicial foi projetar uma edificação que seria construída em um ambiente de clima tão extremo. Ao mesmo tempo em que tivemos nossas incertezas no início, buscamos reunir uma equipe competente que pudesse entregar um trabalho de excelência”, informa o arquiteto que é um dos cinco sócios do Estúdio 41.

Arquitetos e urbanistas João Gabriel Rosa, Martin Kaufer Goic, Eron Costin, Emerson Vidigal e Fabio Henrique Faria. Crédito: Eduardo Macarios

Com 4,5 mil metros quadrados, 18 laboratórios e capacidade para hospedar 64 pessoas, a estação é dividida em três blocos: leste, oeste e técnico, que abrigam pesquisas, serviços, áreas privadas, dormitórios e instalações elétricas, sanitárias e de automação. A obra, que começou em 2015 e foi inaugurada em janeiro deste ano, precisou ser executada em várias etapas, devido às condições climáticas do continente. Parte da estação foi construída em um canteiro de obras, na China, pela empresa Ceiec – China National Electronics Import and Export Corporation. A estrutura, pensada em formato de módulos, foi transportada por contêineres em navios até a Ilha do Rei George, onde precisou ser montada pela Ceiec e fiscalizada pela equipe de engenheiros da Marinha durante o verão Antártico, entre os meses de outubro a março.

De acordo com Faria, foi o processo de montagem que dificultou o trabalho de construção, isso porque o inverno no continente é muito rigoroso e impossibilita qualquer execução externa. Apesar de quase sete anos de envolvimento, os arquitetos e urbanistas que projetaram a edificação apenas visitaram a obra meses antes da sua inauguração. “O processo de ir até à Antártica foi complicado. Levamos 24 dias na viagem e utilizamos o navio da Marinha. Como existia um número específico de pessoas que eram obrigadas a estar lá para a conclusão da obra, conseguimos conhecê-la pessoalmente apenas em outubro de 2019”, ressalta Faria, lembrando da emoção que foi ver um projeto arquitetônico do Estúdio 41 ganhar uma importância para a história do Brasil.

Como o ambiente externo do local é de temperaturas extremamente baixas, o projeto precisou funcionar como um escudo seguro, onde a primeira camada de parede foi construída em formato de painel sanduíche: metal, poliuretano e metal. O arquiteto e urbanista explica que a estrutura é semelhante aos frigoríficos, mas com efeito contrário. “Ao invés do local permanecer frio por dentro, projetamos para que ele siga sempre em temperatura agradável”, destaca. Além disso, a estação é independente e sustentável. A energia do edifício é obtida através de geradores movidos a diesel, turbinas eólicas e painéis fotovoltaicos. O calor produzido pela geração elétrica é aproveitado na calefação, ajudando a aquecer o ambiente. A água é coletada de dois lagos de degelos próximos ao local. “Alguns laboratórios precisam de água salgada, então também pensamos em uma tubulação que faz essa captação de forma isolada, evitando que o metal da estrutura venha a corroer”, acrescenta.

Os parceiros para essa grande jornada pelo continente gelado foram conquistados ainda nos tempos de faculdade, quando o desafio à vista eram as disciplinas da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Faria conta que, antes de fundar o escritório, foi preciso aventurar-se no mercado, oportunidade alcançada graças aos estágios na área e ao entusiasmo do grupo em participar de diversos concursos de Arquitetura e Urbanismo. O Estúdio 41 é fruto de um contrato firmado em 2011, após vencerem o concurso público nacional para planejar a nova sede da Fecomércio-RS, em Porto Alegre, projeto que abriga a Fecomércio, o Sesc e o Senac. Com um investimento de R$ 223 milhões e mais de 44 mil m², a obra durou quatro anos, sendo inaugurada em julho de 2020. “A Arquitetura e Urbanismo é um trabalho crítico e cotidiano, que busca soluções para as condições que encontramos nas cidades, e sempre fomos muito instigados por essa procura”, pondera. Ao todo, o escritório acumula mais de 20 premiações, seis concursos com contratos assinados e inúmeras menções honrosas.

Aos 32 anos, Fabio Henrique Faria divide seu tempo entre o Estúdio 41 e à luta por valorização da Arquitetura e Urbanismo. Recentemente, o profissional assumiu o cargo de diretor de relações institucionais do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas no Estado do Paraná (Sindarq-PR), ação fundamental para a evolução positiva do morar e das cidades. “Não precisamos inventar a roda, mas podemos aperfeiçoar e melhorar dinâmicas já existentes que não condizem com a nossa atual realidade.”

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